Pés no sofá

     Já faz umas três horas e meia que tu passou por aquela porta, decidida a nunca mais voltar.
A gente sabe que tu já foi embora algumas vezes, dizendo (berrando) memoráveis desaforos na minha cara. Mas a gente também sabe que dessa vez foi sério, porque dessa vez tu levou o aquário e a ração do peixe, dessa vez não teve choro, dessa vez tu não deixou nem o shampoo reserva do banheiro, dessa vez tu não disse nada, dessa vez já faz mais de três horas e tu ainda não voltou.
Tu não vai voltar e eu não saí ainda do chão do hall de entrada, porque eu tô tentando assimilar a ideia de que tu tá em outra vibe. Te invejo por saber exatamente o que quer, enquanto eu não sei nem de qual cerveja eu gosto.
Eu sabia que a gente ia bifurcar, eu sabia. Tu pensava, tu olhava pra dentro de ti, tu analisava, tentava evoluir. E eu sempre de pijama no sofá, assistindo tv.
Talvez tu tenha razão quando dizia que eu não aguentava o peso de uma vida real, por isso me refugiava na ilusão dos meus filmes e séries. Só que eu acabei de me deparar com a pior realidade do mundo, que é seguir uma vida sem ti por perto. E eu não vou te pedir pra voltar. Quando eu falar contigo de novo, em algum pub que a gente se pechar, eu só vou te agradecer, por me ensinar um possível caminho pra melhorar, mesmo eu não optando a andar por ele.
Vou levantar daqui, voltar pro sofá e dar o play nas minhas “fantasias”. Porque mais do que nunca, tá doendo colocar os pés no chão.

Café

Eu deveria ter aprendido a adoçar meu próprio café, antes da tua partida. Poderia também ter tirado as placas que indicavam a saída, ou então, cimentado todas as janelas e portas com a gente dentro.
Ok, se tu estiver lendo isto deve estar pensando – “Chega de drama, um dia o amor acaba.” – o pior é que eu sei disso e sei também quando foi despejada a última gota desse amor.
Foi naquele banco do parque, em meio a um silêncio palpável. Começou quando tu olhou triste pra mim, virou pro vendedor de algodão doce, depois pra pomba que estava perto de nós, e quando teu olhar voltou pro meu, já não tinha mais nada.
Aconteceu tudo muito rápido e eu não tive chance. Na verdade eu acho que a luta contra o fim de um amor já nasce perdida, não é possível fazer respiração boca a boca num amor morto.
Desde aquele dia, o vazio dos teus olhos tomou conta de ti, de mim, da casa. Até não existir mais resquício algum de nós.
Juro que vou tentar descobrir sozinha qual é a dose certa de açúcar que prefiro no café, só que no momento não tô sabendo muito sobre mim... Infelizmente te dei partes demais do que eu era.

Término-térmico

Meu A+ está prestes a e se tornar negativo
Devido aos °C que tu tens me transmitido,
Todos abaixo de zero

Assim que essa paixão passar
Vou voltar a me encontrar
E tu, não ouse me desequilibrar

Pois eu estarei novinha em folha
Para outro beija-flor me amar

Tchau, temporal!!

Adeus, vendaval!!

Transcendental

Manhã de inverno aquecida pelo sol. O ano é 1998 . Eles não ainda não se conheciam.


Marina queria muito ligar para a amiga Estefani para contar que Caio terminou com ela pela oitava vez só naquele inverno, mas não anotou em lugar algum seu novo número de telefone e a ligação não poderia esperar mais. Colocou os dedos indicadores nas têmporas e visualizou a boca de Estefani narrando a sequência: 6...7...6...5...4...9...0...ou 3...5. Mesmo incerta, resolveu arriscar aquela combinação.

Chamou. "Tu, tu, tu...".

Marina estava ligando, erroneamente, para Pedro, que estava mergulhado em um sonho bom, o que o fez demorar demais para atender. Então ela desiste de falar com Estefani por telefone, coloca o aparelho no gancho, e decide ir até a casa da amiga. Enquanto isso, Pedro finalmente tira o aparelho do gancho: "Alô? Alô?". A ligação havia caído: "tutututututu....". Indignado por ter sido acordado para nada, volta para debaixo das cobertas. Marina nunca descobriu que ligou para Pedro, nem ele soube quem estava do outro lado da linha daquela ligação.

*****

Menos uma.

*****

Tarde de um dia frio de outono. O ano é 2006 . Eles não ainda não se conheciam.

Chateada por ter se desentendido, novamente, com Caio, Marina decidiu entrar no Café Bouli para tomar um Vanilla e tentar animar, mesmo que um pouco, o seu dia. Porém assim que seu pé esquerdo atravessou a porta de entrada, Pedro saiu rindo com uma amiga. Marina olhava para o chão no momento em que cruzou com eles, mas instantaneamente é despertada de seus devaneios ao sentir aquele perfume masculino. Ela se segurou no balcão próximo à porta para não bambear. Marina se virou,  olhou para o casal que seguia animadamente pela rua e pensou: "Como era mesmo o rosto daquele rapaz? Infelizmente não deu tempo de ver...". Riu sozinha do pensamento inadequado que teve com um desconhecido e que, ainda por cima, estava acompanhado. Sentou na mesa do canto esquerdo da cafeteria e, já mais animada, resolve pedir um pedaço de torta também, para acompanhar o café.

*****

Menos duas.

*****

Hora do almoço de um dia chuvoso de verão. O ano é 2010 . Eles não ainda não se conheciam.

Com pressa, Pedro sai do trabalho para comprar um anel de noivado para a namorada, Joice, na joalheria em que Marina trabalha. Estressado por se entranhar cada vez mais fundo na relação com Joice e, consequentemente, com seus sogros (e patrões), ele nem repara na encantadora vendedora, que o observa com a estranha sensação de o reconhecer de algum outro lugar. Ela o convence a levar o anel mais caro da loja e o que ela mesma gostaria de ganhar. Com o dinheiro da comissão do anel vendido, compra um relógio para o namorado, que continua sendo o Caio.

*****

Menos três.

*****

Noite silenciosa de primavera. O ano é 2012 . Eles não ainda não se conheciam.

Ao pegar o celular de Joice emprestado, pois o seu estava no conserto, Pedro atendeu a ligação de um tal de Caio: 
"Alô?" 
"Ué, cadê a Joice?"
"Eu sou o marido dela e estou usando o celular por uns dias, você quer deixar recado?"
"tutututututu......" - desligou.
Desconfiado, ao chegar em casa Pedro brigou com Joice e a ameaçou pedir o divórcio caso ela não contasse a verdade sobre Caio. Desesperada ela confessou que mantinha encontros esporádicos com ele há dois anos e que ele não sabia que ela era casada, mas que ela sabia que ele era com uma moça chamada Marina, que trabalhava numa joalheria no centro da cidade. Desnorteado com a infidelidade, Pedro saiu dirigindo o carro. Irritado com tudo o que estava acontecendo, ele não prestou atenção no trânsito, resultando num acidente fatal. Bateu no carro de um casal. Pedro e o homem do outro carro, morreram na hora, mas Marina sobreviveu.

*****

Menos quatro.

*****

Na próxima vida começa de novo.

O universo é insistente, o amor incansável.

O Fim

já tirei o pó da mala
ponha nela suas peças
que estão quebradas sobre o tapete

recomponha-se no ser
que já me fez girar
hoje não o reconheço

ponha tudo na mala:
suas recaídas
seu vale transporte
seu cabelo comprido
suas tatuagens
seus chinelos de pelo

não quero nenhuma lasca sua
aqui nesse apartamento

quero acordar
olhar pro lado
não te enxergar

quero voltar a
comer arroz à grega
ouvir Djavan
tomar Nesquik

em paz

sai, vai

Poeta enfeitiçado

Tu é e não és
Pois é curta e grossa
Aguda como o acento

Demonstra quem és que é
E não quem é que és
Por ser incoerente no ser
E em todo o agir

Enlouquecedora de loucos
Possui andar de camela
Os dois olhos de coruja

Majestade da benevolência
És a perversão
Devolva a esse fanático
O seu coração?

Pois com a doença do amor
Só sei te adorar
E em rimas de palavras
Te poetizar


Por favor, cura-me.

Te mostra

Me faça rir, sempre que puder.
Me faça sorrir, sempre que me abraçar.
Corra, mas sempre do meu lado, no nosso ritmo.
Me leva nos teus lugares favoritos e me explica tudo o que sabe sobre eles .
Eu quero ouvir teus conhecimentos, até os mais banais.
Te mostra, porque eu quero te ver.

De amores emendados a um amor remendado

Nunca tive dúvidas sobre meus sentimentos, nunca amei duas pessoas ao mesmo tempo. Foi sempre um após o outro. Meu coração não é que nem coração de mãe, tem lugar apenas para um de cada vez.
Costurava um amor no outro, os tecidos eram distintos, onde acabava um começava o próximo. Não costumava voltar para remendar nada, deixava os furos e rasgos pra trás.
Até que eu te encontrei.
Eu já cerzi e overlockei o nosso trapo trezentas vezes e poderei reformar quantas vezes for preciso. Porque o meu coração te enclausurou dentro dele. E amor de verdade é assim, não é descartável ou substituível, mas sim reciclável e insistido.
Muitas vezes eu me pego pensando “por que ele? Por quê?”. E eu te juro que eu gostaria de responder essa pergunta, mas eu não tenho uma resposta prática e bonita. Simplesmente eu te amo todo dia, a toda hora. 
Esquece meus momentos de raiva, quando te falo coisas da boca pra fora. Esquece minhas maluquices. Perdoa-me se eu não sei apenas te dizer, que eu te quero comigo sempre.
Tu prevaleceu e tem me feito muitíssimo feliz.


Início, meio, fim, começo

WhatsApp 19/12/2016, 19:42
                    
  Anderson:
  Oiee, decidiu se vai rolar                             
  sairmos hoje?

  Eu:
  Oi! Sim, acho que o jogo já                         
  pode iniciar hahaha
  Me pega as 22:00, ok?
                                                  
  Anderson:
  hahahaha
  nossa, que sarcástica!! ;s
  ok.


   (Não, nós não vamos ficar juntos. Não vamos ter uma relação que dure tempo suficiente para destruir toda a ilusão que eu criei. É que deu trabalho sabe...
   Cada olhar, cada frase, cada pegada, cada momento, tudo previamente definido em pensamento e manipulado no plano da realidade, para ser personificado em ti.
   Já vou deixar claro, não é tu que é o cara, mas fui eu quem tu te fez sentir como tal.  E não pretendo me decepcionar, pois não te darei espaço para conseguir acabar com isso tudo, sendo tu mesmo.
   Quero daqui no máximo cinco meses me cansar dos papos vazios, do ciuminho infantil, da forma de falar, da falta de interesse e de ti, basicamente. Então eu vou terminar tudo, mesmo que pudéssemos tentar, eu vou pôr um ponto final. 
   E eu já estarei decidida, quando tu for notificado. Provavelmente vai ser uma choradeira, porque pela tua perspectiva estava tudo bem. Não se preocupe, eu já gravei um pen drive com as principais músicas da nossa relação e mais algumas que escolhi a dedo para cortar teu coração (tipo: Long Plays, Pública) e que irão fazer tu te lembrar de mim pelo resto da vida toda vez que as ouvir.
   Não pense que eu não tenho coração! Eu também já fiz o meu play list (nível: Mentiras, Adriana Calcanhoto) e no primeiro dia, pós ruptura, eu vou me descabelar e pensar em voltar. Graças as minhas amigas eu não vou fazer essa besteira, pois elas me darão apoio, me levando para sair e conhecer gente nova. Então, eu vou repensar e perceber que tudo correu como havia de ser mesmo.
    Seguirei assim, romanticamente dramática. Pois eu ainda não achei a graça em me prender em amores de plástico, tendo um coração de verdade.)   


WhatsApp 19/12/2016, 21:59

  Anderson:
  Cheguei, to aqui em baixo.                         
   *-*

  Eu:
  Ok, to descendo.

   Anderson:
  :**